Miopia em Marketing: o erro estratégico que ainda assombra empresas

Miopia em Marketing: o erro estratégico que ainda assombra empresas

Introdução

É impressionante como um artigo publicado em 1960 segue tão atual. No clássico “Marketing Myopia”, o economista e professor da Harvard Business School Theodore Levitt já alertava para um problema recorrente: empresas que se apaixonam pelos seus produtos e esquecem as verdadeiras necessidades de seus clientes. Seis décadas depois, essa miopia estratégica continua sendo a causa de quedas vertiginosas de grandes corporações – e o alerta de Levitt segue mais necessário do que nunca.

Em seu texto, Levitt atravessa campos como administração, marketing, economia e vendas para mostrar como o foco excessivo em produtos e tecnologias próprias pode cegar líderes empresariais diante de mudanças do mercado, avanços tecnológicos e transformações no comportamento dos consumidores.

Usando exemplos sólidos – como a indústria ferroviária nos EUA e o mercado petrolífero –, o autor demonstra como empresas antes dominantes perderam sua relevância por ignorarem um princípio simples: as pessoas não compram produtos, compram soluções para seus problemas.

O marketing além da propaganda

Um dos grandes méritos do artigo de Levitt está em expandir o papel do marketing. Para ele, marketing não é apenas vender mais – é compreender profundamente o que os clientes realmente precisam. Isso implica investir em pesquisa, compreensão de comportamento e inovação centrada no usuário, em vez de apenas aperfeiçoar o produto ou baixar custos.

A ideia é clara: empresas que se definem pela tecnologia que dominam e não pelo valor que entregam ao cliente, estão fadadas à irrelevância.

A ilusão do petróleo: ainda atual?

Levitt usou a indústria do petróleo como exemplo de miopia: um setor fixado na gasolina e no modelo extrativista, que ignorava fontes renováveis de energia e o crescente interesse dos consumidores por sustentabilidade. Hoje, com o mundo debatendo transição energética, veículos elétricos e ESG (Environmental, Social and Governance), o alerta de Levitt parece quase profético.

Empresas como a Shell, BP e ExxonMobil enfrentam um dilema semelhante ao da Kodak: manter o modelo que as fez crescer ou inovar e correr o risco de canibalizar seus próprios negócios? Enquanto isso, Tesla, BYD e outras fabricantes de EVs (veículos elétricos) ganham cada vez mais espaço.

O ciclo auto-ilusório: quatro estágios fatais

Levitt estrutura a miopia de marketing em um ciclo de autoengano dividido em quatro estágios:

1. Expansão populacional

A crença de que mais pessoas automaticamente trarão mais consumidores. Ignora-se o fato de que os comportamentos mudam, e mais gente não significa mais demanda pelo mesmo produto.

2. Produto insubstituível

A arrogância de acreditar que o produto é eterno. Empresas pensam que seus consumidores nunca migrarão para alternativas – e geralmente é aí que os concorrentes inovadores entram em cena.

3. Produção em massa

Com foco apenas em escala, empresas despejam seus produtos no mercado, muitas vezes sem refletir se ainda há relevância ou demanda real para eles.

4. Redução de custos

Investimentos são feitos apenas em processos que cortam custos – não em soluções que aumentem a satisfação do cliente. Isso distancia ainda mais as marcas do consumidor final.

Casos contemporâneos de Miopia em Marketing

Mesmo com toda a evolução do marketing digital, análise de dados e automação, a miopia estratégica ainda derruba gigantes. Vamos revisitar dois casos emblemáticos – agora à luz de novas reflexões:

KODAK: a pioneira que se autoboicotou

Por décadas, a Kodak foi sinônimo de fotografia. E ironicamente, foi ela quem inventou a primeira câmera digital, em 1975. No entanto, com medo de matar seu próprio negócio de filmes, a empresa escondeu sua inovação. Enquanto isso, Sony e Canon apostaram pesado nas novas tecnologias.

A falha da Kodak foi acreditar que seu negócio era vender filmes fotográficos, quando na verdade ela poderia ter se reposicionado como uma empresa de memórias e imagem digital. O apego ao modelo antigo a cegou para a transformação que estava diante de seus olhos.

Em um mundo onde a disrupção é a nova regra, não basta ter a tecnologia – é preciso coragem para mudar de rota antes que seja tarde demais.

MESBLA: o gigante que não se reinventou

A Mesbla foi uma potência no varejo brasileiro durante o século XX. Com lojas de departamento gigantescas, atendia a todos os perfis de consumidores. Mas quando o Brasil passou a viver a era dos shoppings centers, lojas de bairro e da especialização no varejo, a Mesbla insistiu em um modelo ultrapassado, lento e ineficiente.

Enquanto concorrentes como C&A, Casas Bahia e Ponto Frio inovavam com atendimento personalizado, foco em nichos e logística eficiente, a Mesbla se perdeu em sua estrutura gigante e inflexível. O resultado foi o inevitável: endividamento, perda de relevância e falência em 1995.

Hoje, empresas como Amazon, Magazine Luiza e Mercado Livre lideram justamente por entenderem o cliente, oferecerem experiências fluidas e por estarem em constante reinvenção.

Conclusão: o cliente no centro ou o abismo à frente

Mais do que nunca, o alerta de Levitt precisa ser ouvido. Ainda existem empresas que tratam o cliente como um “zumbi consumidor”, que compra o que for oferecido. Isso talvez tenha funcionado no passado – mas hoje, o consumidor é informado, exigente e movido por propósito.

Organizações que não colocarem o cliente no centro das decisões e não se reinventarem de maneira constante, provavelmente serão engolidas por startups, plataformas colaborativas ou modelos mais ágeis e responsivos, como:

  • Uber vs. taxistas tradicionais
  • Airbnb vs. grandes redes hoteleiras
  • Fintechs vs. bancos tradicionais

O futuro pertence às marcas que entenderem que não vendem produtos, mas experiências e soluções. E que só sobrevive quem estiver disposto a mudar – mesmo que isso signifique deixar para trás o que um dia as fez grandes.

Referências atualizadas